sábado, 15 de outubro de 2011

Leite de Nosomi

Foto em: arteporparte.blogspot.com
Marianinha era solteirona convicta. 
Com os seus sessenta e cinco anos, morando numa pitoresca cidade do interior de Minas,  tinha mania de doenças e de curar doenças. 
Fazia acreditar que espinhela caída só resolvia depois das suas rezas. 
Gostava de passar receitas. Falava que tinha que apertar com as duas mãos a espinhela   e dizer uma seqüência de palavras de acordo com os ensinamentos familiares que vinham passando de mãe pra filha por gerações. 
Não há recomendação nenhuma depois da reza. 
Pode tomar banho que a água não leva o poder da reza. 
Só não pode comer doce.
Era devota de todos os santos que tinha na igreja, raramente trocava conversa de rua com as pessoas dali e nada sabia das picardias em forma de trocadilhos de quem passa a vida inteira por conta dessas coisas.  
Povo que freqüenta bar não presta, dizia sempre.  
Tinha medo dos pecados que imaginava naqueles antros da perdição.
Você tem que evoluir, disse Cristóvão,  um pau d'água muito conhecido na cidade.   Hoje em dia essas coisas perderam o lugar pro leite de nosomi, afirmou.
Onde encontro esse treco?! - Perguntou curiosa.
Você acha em qualquer lugar - respondeu esquivando-se e saindo de perto com um sorriso maroto no seu rosto vermelho de sol, de sal e de saideiras. Ele tomava muitas.  Saía duma e entrava noutra.
Encontrei Marianinha na farmácia perguntando sobre o medicamento recomendado. Temos não, dona Marianinha! - respondeu a balconista tentando disfarçar a face corada. É melhor conferir esse nome com o Cristóvão.  Do jeito que ele bebe, pode muito bem ter informado errado, concluiu.
Só percebi a maldade da história quando a protagonista saiu e escutei explodir uma gargalhada contida de um homem, vinda detrás de um biombo, nos  fundos do pequeno estabelecimento. Era o farmacêutico.
Informei-me com o próprio quando saiu enxugando as lágrimas.
Puritana como ela é, ninguém tem coragem de esclarecer a brincadeira e, assim, está há dias percorrendo a cidade procurando essa coisa, esclareceu.
Por conta das suas rezas, totalmente fora dos ritos da igreja, o padre não era lá muito bento com a nossa protagonista.  O sacerdote nunca seria consultado sobre o tema e a pobre da solteirona, continuaria a servir de chacota para o sadismo inocente do povo.
Interessante como a pequena cidade era politicamente incorreta.  
Na verdade a população nem sabia o que era isso.  
Ali o cravo brigava com a rosa, o samba lelê continuava precisando  de umas boas palmadas, as crianças cantavam atirei o pau no gato , ninguém se preocupava com a preservação do mico-leão-dourado, os baixinhos eram chamados de pintores de roda-pé e, os gordos, de rolha de poço.
Assuntos como esse da Marianinha seriam esquecidos com o tempo e a ingenuidade sorridente voltaria a reinar. 


Alhos, bugalhos e bagulhos.
Fazer o que?
A vida é assim!


Fred, 15/10/2011
























  

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