sábado, 31 de julho de 2010

Rio de mim

Estou assim como se fosse um rio 
Suas águas não são claras nem calmas
Carregam estragos numa correnteza atribulada e confusa
Tudo o que estiver solto às margens, ele junta para jogar no mar
Volumoso, profundo e turbulento, é imprestável para que a vida prospere
Água turva a ignorar as pontes que ligam os sentimentos humanos
E as pontes não querem o rio e nem o rio sabe das pontes
Os homens constroem pontes para evitar o rio
Ele segue em frente obstinado e louco numa barulheira infernal
Ai das pontes que desabarem nele 
Só saberia juntar seus cacos naquela trajetória insana
O mar é mais que obstinação
É inevitável


Fred, inverno de 2009

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Tia Sofia

Minha tia Sofia
que nem sequer existia
veio contar lorota
em prosa cambota

Narrando casos vadios
da infância dela e dos tios
sequer surpreso fiquei
 asneiras maiores eu sei

No seu tempo de criança
das frutas roubadas pra pança.
 mangas,  jabuticabas ou pitangas
de seu pai ouvia zangas

Guardava ela o segredo
por vergonha e até por medo
quando revelou, aos oitenta
que quem não rouba, tenta

Pensa ela em caduquice
ser honesto maluquice
Concluiu pelo noticiário
que ser bom é ser otário

Titia, observei severo
Temos de nos manter austeros
aos  malandros, esses crápulas
que do país parecem Dráculas

Outro pensamento me veio um tanto preocupado
Quem sabe, conclusões como essas, malgrado
estariam fervilhando nas fracas cacholas desta nação?
Reféns e vítimas da famigerada  globalização?

Essa forma de pensar 
vem lá dos Tios Sans
parentes do mundo em idéias vãs
não vêm que a cobra já se comeu pelo rabo
a teoria estava certa e, assim, desanimado
eu me acabo

Fred, outubro de 2003

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Castas Águas

(Não devemos explicar poesia, mas essa aí precisa.  Caixas d'água antigas e desativadas ficam nas cidades como um estorvo qualquer. Abandonadas  e tristes pela ingratidão das pessoas.  Assim me inspirei naquele momento, tentando dar a elas a nobreza que merecem.)

Caixa d'água
Afogai as mágoas do meu povo
A tua água
Ao rico e ao pobre é igual
De ti lição maior
Tal qual

A tua água
Virá de novo
Amar meu povo
Ao mar de novo

A tua água
Rio do meu tio Pio
Castas águas, caixa d'água !
De onde vens
Com cheiro do mato molhado
lembrando de alguém
Caixa d'água
Ao céu em cálice
Oração de coração extasiado
Aos céus em oferenda
Aos maus em reprimenda

Nossa terra sabe de ti
Abnegada  fonte
Nossa terra gosta de ti
Resignada infante
As letras não te merecem
Querida amiga
Te fazem apenas
Em soltas rimas
Pouco mérito
Em roucas cismas.

Fred, verão de 2001
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* Interessante.

Uma das histórias mais curiosas envolvendo os coretos aconteceu em Muzambinho, no Sul de Minas, em 1º de junho de 1969, dia em que o coreto da praça começou a ser "tombado", não pelo patrimônio histórico, mas pelo prefeito da época, Messias Gomes de Melo, que mandou demolir o coreto, inaugurado em 16 de agosto de 1922, por entender que "tombamento" seria deitar por terra a construção.

O diretor do Museu Municipal da cidade, o arquiteto Ricardo Podestá, conta que na época, o prefeito ficou sabendo que o patrimônio histórico do Estado estaria doando verbas para restauração de prédios públicos. "Ele fez um dossiê e mandou", conta Ricardo. Só que os prédios beneficiados, segundo ele, deveriam ser tombados.

O diretor disse que, o Estado mandou um telegrama para o prefeito dizendo que ele podia "dar o tombamento" da obra, que o dinheiro já estava a caminho. "Como de fato o dinheiro veio. Só que depois chegou uma comissão do patrimônio para vistoriar o coreto e não acharam nada", conta Ricardo.

A história do antigo coreto de Muzambinho é muito contada em rodas políticas de Minas. No telegrama recebido pelo prefeito, contam, a informação era que o coreto era considerado de interesse histórico, que uma comissão iria à cidade para tombá-lo. O prefeito teria respondido com um outro telegrama urgente: "Desnecessária vinda da comissão. Já que era para tombar, mandei derrubar o coreto".

Fonte: "Folha de Contagem - arquivo de notícias de 2005 a 2008"

terça-feira, 20 de julho de 2010

Cigano de mim



Montanhas pra lá
Montanhas pra cá
Era assim a estrada
Hoje mora em mim
Paisagens, quimeras juvenis
Entre crianças velhas de óculos
Rugas do tempo

Que vagueou ligeiro 
A pena está muda 
Com esse calor dos infernos

Fred, verão de 2010

Aquela paz



Casa de fazenda parada no tempo
Atrás do caminho
Histórias do mato ficaram ali
no curral, no açude na égua Pachola
Sonhos da roça, medo da escola
Atrás do caminho
o cheiro do café
O pó da estrada
Estrada da busca
Quase morro na estrada do morro
Estrada do caminho
Entrada do ninho
Uma lágrima na poeira do chão
é um pedaço da alma que fica
É um até breve que não acaba
Enquanto a gente sonhar

Fred, 14/11/2001

Uma mulher romântica









Hoje não quero falar
Fale você
Conte façanhas
Jogadas fantásticas no futebol
De sua esperteza com a certeza
De um jovem boêmio precoce
E me coce naquele lugar
Hoje não quero falar
Fale você
Conte façanhas
Suas manhas na sinuca
Me arranha na nuca
E volta pro tempo da escola
Sua cola
Hoje não quero falar
Fale você
Conte seus dramas de amor da infância
Sua eterna arrogância
Me faça de escrava
E crava minhas entranhas
Me assanha
Hoje não quero falar
Fale você
Dos amigos
Da fiel corriola de então
Quanto mel derramado no chão
Da repressão, da cerveja cachaça
O violão de pirraça
Me faça uma graça
Hoje não quero falar
Fale você
Dos camaradas rebeldes
Da tirania, das lutas debalde
Faça como ele  estou com saudades
Se não tens histórias iguais, invente
E me conte as dele
Mesmo as repetidas
Me  fale da vida

Inverno de 1994

Alienada Rotina



O que procurar?
Porque procurar?
Um, dois, três, quatro
Amanhece
Um dois e...
Levantar
Um dois e...
Pro Banho
Um dois e...
Aprontar
Um, dois, três quatro
Pra rua
Um trânsito daqueles
Dois pivetes pedindo para não tomar
Tomar nos dois sentidos
Três luzes 
Vermelha, amarela, verde
Verde, ver-te verde
Eu quero ver-te
Primeira, segunda, terceira
Terceira, segunda, primeira
Vermelha de novo
O automóvel espremeu o cachorro no preto
Vermelho no chão
O homem amarelo de olho vermelho parou
O homem vermelho de olhos verdes seguiu
Corre cores
Um dois três, verde
Verde e amarela ?
Oba!  
O Brasil joga domingo


Março de 1998







segunda-feira, 19 de julho de 2010

Ao meu pai

No latifúndio de uma lágrima

Eu escrevo de você
Um sonho
Uma curva
Um rio
Foi passando em caracol
A quimera se enchendo de água doce com sal
Ah meu aconchego
Como era bom.
Foi-se o vento das coisas eternas
Meu parceiro de outrora
Foi-se o pensar
Não consigo dormir
Deixa o bonde do Tristão passar no tempo, meu pai
Quero andar no estribo
Quero  vento na testa
Quero pescar peixe grande
Quero sonhar no barranco do rio
Sua prosa era boa
Hoje minh’alma tece apertado 
Um nó de amargar.
 30 de março de 2003

Ao Francisco Horta






Que se encontre em boa hora
no seu trabalho constante
para saber o que lhe falo agora
e não considere pedante
 
Vou direto ao assunto, sabendo-o muito ocupado
Em sua loja Eldorado
de atendimento um tanto  esmerado
levei para conserto um par de óculo estragado

Em novembro próximo passado
adquiri e, por ser novo, em excelente estado
o que com ele tenho trabalhado.
Qual não foi a surpresa quando a lente soltou-se, caindo de lado

O parafuso estaria espanado?
Disso tenho duvidado.
Em loja de conceito firmado
de mal ninguém tem falado

Deixando esse detalhe calado
gostaria, caro Deputado
de seu tempo um pequeno bocado
permitisse alguém autorizado
cobrar um preço de atacado
no reparo solicitado

Seu admirador abaixo assinado
que de tantas rimas em “ado”
Só resta dizer
Obrigado
25 de março de 1998

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Alto Volume




Um Livro de Drumond agora restaurado

Um ato de reverência ao poeta maior
Quisera ter podido dourar-lhe a capa
mas o pude somente as letras
Capa vermelha como o minério de Itabira.
Belo trabalho do Juarez
que inspirado assim fez
Eu me meto em poesias, atrevido que sou
Seu livro, Drummond, publicado em cinqüenta e cinco
Segunda edição da José Olympio, metia-me medo ou inveja
Tornava-me impotente face ao gênio da sua criação
Tu fazendeiro do ar e eu a buscar uma caverna
procurando evadir-me dos selvagens de hoje
Utópica caverna, me refugio nos livros por não merecê-la
E tu, poeta, me consegues viajar pelos ares que falas
O computador que uso como máquina de escrever
não consegue sequer a modernidade das canetas que te serviam
Penas, que pena não saber usá-las
Fred, setembro/2003

Meninos da rua

Nas flores abrem-se pétalas
Como as famílias unidas
Algumas espalham-se rápidas
Soltando da flor ungidas
Balançam com o vento e nuas
mirando, vôos ao léu,
Colorem o mundo das ruas
Buscando não vêm o céu
Queria entender essa gente
Que se deixa levar pelos ventos
Não olham o mundo de frente
Enredam caminhos não bentos
Ao secar nas sarjetas
Pétala de flor ressecada
Acompanhando as carretas
Daquele tronco, mais nada.
Fred, agosto de 2003