terça-feira, 31 de maio de 2011

Lição


“Seja mais sábio que as outras pessoas se puder.  Mas não conte isso para elas.” Philip Stanhope, o conde de Chesterfield  (1.694 - 1.773) - Político e escritor inglês.

ZZFred, 31/05/2011

sábado, 28 de maio de 2011

Causos da Juventude II


(Fragmento do livro Álcool Ajuda ou Autoajuda - Fred Explica - 1999)
Nota: Os textos postados neste blog não obedecem a nenhuma ordem cronológica.

(...)
Emerson Fittipaldi e o carro de 1970

Foto em: blogs.estadao.com.br
- A Banda do Canecão vai tocar na Sede Campestre do Cruzeiro no sábado que vem - disse o Geraldinho com um jeito meio triste.
- Que animação é essa rapaz? – perguntei tentando mudar o clima.
- Fiquei sabendo que a cidade inteira vai comparecer e os preços dos ingressos estão pela hora da morte. – respondeu ainda amuado.
– E desde quando isso é problema para nós? – eu garanto que todos vão entrar, continuei.
- Acontece que a polícia militar vai deslocar um contingente enorme para cuidar da portaria, retrucou.
Sem nenhum plano elaborado, garanti que ninguém iria ficar de fora e encarei como desafio.
No dia estavam reunidos uns quinze na frente da lanchonete do Gordo argumentando para que eu desistisse da idéia.
- Não temos um tostão furado e achamos melhor cancelar o programa. – voltaram a insistir.
– Nada disso, vamos pra lá que eu garanto. – afirmei convicto.
- Ta bom; nós vamos. Mas se você não conseguir, vai estragar o sábado de todos nós - disse o Dom com a liderança que lhe era peculiar.
Nesse clima, três carros lotados rumaram em direção à Pampulha sem muita esperança no sucesso na empreitada.
O trânsito da Avenida Antonio Carlos, principal via de acesso, estava pior do que em dia de Atlético e Cruzeiro, fazendo notar o número incomum de pessoas indo na mesma direção.
- Parece que a cidade inteira teve a mesma idéia! – comentou um dos amigos.
Tivemos de estacionar os carros a uns quinhentos metros do local, fazendo prever que o compromisso que eu havia assumido teria um grau de dificuldade bem maior que o esperado.
No caminho fiquei ouvindo os queixumes: você é mais teimoso que um burro empacado! – eu não falei que isso ia dar problema?! – É; nosso sábado foi pro brejo!
Tentando manter o astral alto eu afirmava enquanto caminhávamos rápido e ofegantes: calma gente; tudo vai dar certo!
Confesso que não possuía qualquer plano estabelecido. Confiava, apenas, no poder do pensamento positivo e; haja pensamento positivo!
Finalmente chegamos à porta do clube.
Na entrada, os soldados da PM formavam uma espécie de corredor da morte e, só entrava na fila quem estivesse com o ingresso na mão.
Os guichês estavam entupidos de gente para aquisição dos tíquetes.
Começou a impaciência da turma: Vamos embora, não tem jeito!
Nesse momento pedi que todos se afastassem do tumulto; a idéia estava nascendo na cabeça.
Depois de um bate-boca terrível, resolveram aguardar a uns cinqüenta metros da entrada.
Pouco tempo se passou para que estourasse a notícia de que os ingressos estavam esgotados. Um grande tumulto se instalou no local.
- Está começando a acontecer o que eu queria - afirmei com firmeza em função da idéia que me havia ocorrido.
Por ali estavam uns elementos de braços cruzados que se diferenciavam das pessoas pelos seus ternos azul-marinho.
Estavam um pouco afastados da confusão e, obviamente, faziam parte da organização do evento.
Observei, pela psicologia das ruas, que um deles tinha o perfil adequado aos meus propósitos, um tanto escusos.
Aproximei-me com pose de gente importante e pedi que nos afastássemos para uma conversa em particular.
- Amigo - comecei amavelmente – estou numa enrascada. Convidei meus companheiros e suas namoradas para a festa. Elas já estão aí dentro e, quando fui comprar os ingressos, eles já estavam esgotados. É uma situação muito embaraçosa. Estou te observando por algum tempo e notei que você é uma pessoa de boa índole mas, se puder resolver o problema faço questão de recompensá-lo.
Nas entrelinhas deixei que o personagem me acreditasse alguém abonado e, como o ingresso deveria custar uns duzentos reais  (em valores de hoje), induzi que ele fizesse uma conta, pelo menos equivalente, da gratificação a ser recebida.
Até hoje não sei quem enganava mais, nós ou as roupas que usávamos sugerindo aos menos avisados que fazíamos parte da elite financeiramente privilegiada.
A isca estava jogada, era só aguardar.
- Está vendo aquele portão fechado lá na frente?
Forcei a visão e consegui enxergar num local pouco iluminado que seria, naturalmente, destinado a saída do público depois do evento.
- Sim, estou vendo, respondi.
- Pois bem, continuou. Fiquem por lá, no escuro, que daqui a pouco o abriremos pra vocês; - mas deixa acabar a confusão, advertiu.
A boa notícia soou como um gol da seleção brasileira para meus amigos.
Passada meia hora o público que ficara de fora se dispersava para, naturalmente, procurar outro programa que a cidade pudesse oferecer.
Estávamos no local combinado quando o portão foi aberto com os convenientes cuidados para que os nossos cúmplices pudessem cumprir sua parte no acordo.
Fizeram o sinal tradicional pedindo que acelerássemos a entrada.
Fiquei junto dos funcionários dando tapinhas nas costas dos companheiros que entravam rapidamente.
Quando o último acabou de passar pelo portão, caminhamos eu e mais três dos elementos de terno até um canto mais discreto para o acerto de contas.
Era preciso resolver muito rápido – o local era suspeito por ser afastado das mesas que rodeavam a piscina e dos quiosques montados para a festa.
- E aí? – perguntou o contratante sugerindo o pagamento a ser feito.
Abri minha carteira de forma que pudessem ver o seu interior com, cerca de cinqüenta reais (também em valores de hoje).
Logo veio a indignação.
- Espera aí meu chapa, só isso?
- É tudo o que tenho, afirmei já passando às suas mãos o dinheiro. Nós não combinamos valores. Somente relatei para você o fato.
- E a boa índole de vocês, onde é que fica?! – completei.
Lembro-me até hoje da cara de tacho que fizeram ao perceber o engôdo enquanto eu adentrava as instalações do clube como se nada tivesse acontecido.
Eles não podiam agir energicamente contra nós porque fizeram parte da irregularidade, mas, a noite que se seguiu não foi nada agradável.
A banda contratada não era a original, som de terceira categoria e para cada um de nós havia um soldado da PM acompanhando de perto.
Estávamos impedidos de desenvolver nossas especialidades pela vigília atenta de que éramos vítimas.
Qualquer conduta julgada irregular seria imediatamente punida.
Logo fui chamado pela turma para uma reunião em local um pouco afastado.

- Que programa de índio, em Fred? – perguntaram censurando.
- O meu compromisso eu cumpri e ainda estou achando caro o que paguei. Agora vejam: a festa está abaixo da crítica e já observaram que quem comprou ingressos está reclamando? Acho que vocês ainda têm de me reembolsar dinheiro.
- Cara de pau! – afirmaram. Você nos meteu nessa e ainda quer faturar em cima da gente?!
- Não prometi serviço completo – isso vocês vão encontrar em outro lugar, respondi imediatamente.
Resolvemos sair do clube, seguidos, obviamente, pelos seguranças e contendo a gargalhada que somente viria a tona bem longe dali.
O que importava era a aventura, desmoralizar o sistema e eu, ainda, poder tirar onda  de executar uma missão quase impossível, durante um bom tempo.
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Fred, 28/05/2011

Causos da Juventude I


(Fragmento do livro Álcool Ajuda ou Autoajuda - Fred Explica - 1999)
Nota: Os textos postados neste blog não obedecem a nenhuma ordem cronológica.


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Foto em: lovemotors.blogspot.com 

As horas dançantes do Barroca Tênis Clube eram muito concorridas.
Entrada franca aos sócios e convites a preços seletivos.
Como somente um dos amigos era associado, bolamos um plano para ingressar toda semana, evidentemente, sem qualquer custo.
Os porteiros tinham como praxe solicitar a carteira de identidade para os convidados que saíssem e quisessem retornar depois.
Era simples.
Constantemente a entrada ficava tumultuada com o entra e sai de pessoas.
Entregávamos duas carteirinhas ao confuso funcionário encarregado, ao invés de uma. Por baixo daquela de quem estava saindo, estava outra para quem estivesse de fora.
O funcionário não se lembrando do rosto do penetra costumava dizer: Uai, eu não me lembro de você entrando!
E o cara de pau afirmava: pode olhar aí no monte que encontrará a minha identidade.
Encontrando o documento o pobre do porteiro fazia uma cara preocupada, se desculpava e permitia o ingresso.
Logo, este mesmo elemento voltaria para dar uma saidinha e observava bem humorado: veja se desta vez não vai se esquecer da minha cara, heim? – nisso, obviamente, ao entregar sua identidade, teria outra por baixo.
Assim era feito até que todos estivessem dentro do salão.
Éramos conhecidos na cidade.
Uns pela prática do futebol e outros porque, vindos da classe de baixo, eram doutores nos macetes da liberdade (malandragem é um termo muito forte para definir o comportamento) e tínhamos a simpatia da burguesia gentil constituída por elementos que sempre nos convidavam para suas mesas.
Assim, cada qual ia arrumando seu grupo numa relação um tanto interessada.
Faziam questão de pagar nossas bebidas em troca, talvez, de nossas histórias ou anedotas que os faziam aumentar o divertimento nas noites dos bailes.
Postura e informação sempre foi o nosso forte e verdadeiras amizades também frutificaram naquele meio.
Freqüentávamos os eventos mais concorridos e, para cada um, haveria uma fórmula especial.
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sexta-feira, 27 de maio de 2011

Histórias do Cárcere


(Fragmento do livro Álcool Ajuda ou Autoajuda - Fred Explica - 1999)
Nota: Os textos postados neste blog não obedecem a nenhuma ordem cronológica.
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foto em carol-lejosdelmundanalruido.blogspot.com
Numa oportunidade, Robério e um tal de Tocão,  promoveram um quadro que mais parecia uma dissimulação burlesca.
Tomaram posse de uma maca, daquelas de rodinhas.
Robério deitou-se simulando uma crise de cólica generalizada e Tocão, o terapeuta da galera pelo seu bom humor, ia dirigindo o comboio em velocidade através dos corredores, promovendo a maior algazarra.
Um gritava de dor e o outro pedia socorro afirmando desesperadamente que o amigo estava morrendo.
Era engraçadíssima na sátira a oportunidade de ver enfermeiros em crise de risos incontidos, tentando impedir a confusão.
Os internos do andar inferior, como já disse, eram pessoas muito carentes.
Tinham nos olhos uma expressão vazia ou cheia de tristeza e desespero.
Procurávamos, sempre que possível, tratá-los de maneira paternalista e freqüentemente, eram envolvidos nas brincadeiras.
O pátio era um ambiente bem trabalhado.
Tanto os canteiros de flores como as árvores mostravam o talento do jardineiro encarregado. Seria muito bom para os pássaros, mas raramente os víamos por ali. Acredito que a sensibilidade das aves detecta vibrações pesadas .
Cantina, tênis de mesa, jogos de dama e um telefone público, tipo orelhão, que era o único contato possível com o mundo que ficara lá fora e proporcionava um ambiente no qual assistíamos dramas e comédias.
Um paciente gostava de simular o aparelho como um microfone, deitando cantoria de gosto questionável, mas muito divertida.
A fila de espera ficava impaciente.
Uns se revoltavam aos gritos e outros disparavam risadas barulhentas até que um funcionário intervisse e normalizasse a situação.
Um jovem, com seus dezoito anos, se tanto, vestido conforme a moda, mostrava-se temeroso pela atmosfera totalmente fora dos seus padrões.
Colocava várias fichas e, chorando, lamentava convulsivamente: mãe, me tira daqui!
Essa situação, em princípio, machucava nossa alma.
Tocão, elemento de muita presença de espírito, aguardava o término da ligação, tomava o aparelho e ficava imitando seus prantos.
O drama, logo teve fim, com o adolescente acabando por entender que era melhor aceitar os fatos com humor - o remédio mais adequado - ou, a única alternativa possível.
Em todo o período da internação eu raramente utilizava o telefone, pois acreditava que iria incomodar meus familiares que preparavam o casamento da minha filha do meio.
Aquilo torturava.
Era melhor esperar e não somar preocupações ou ansiedades próprias das ocasiões pré-matrimoniais.
Na realidade eu estava alimentando culpas gigantescas.
Não sabia quando iria ter alta e, o evento, cada dia mais próximo.
De acordo com informações, quando saísse teria tempo e condições para me recuperar e entrar na igreja da forma como a solenidade exige.
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Fred, 27/05/2011 

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Frase

"Eu também quero a volta à natureza. Mas essa volta não significa ir para trás, e sim para a frente." (Friedrich Nietzsche)
ZZFred, 25/05/2011

quinta-feira, 19 de maio de 2011

A Luz



(Fragmento do livro Álcool Ajuda ou Autoajuda - Fred Explica - 1999)
Nota: Os textos postados neste blog não obedecem a nenhuma ordem cronológica.

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Havia um lugar mágico.
Um auditório confortável com grandes e silenciosos ventiladores.
As poltronas em couro avermelhado inspiravam sobriedade e, não, luxo.

Sobre um palco uma grande mesa, pessoas vindas de fora, sem aparentar qualquer vínculo administrativo com o hospital.
Uma gente que incorporava paz e sabia do que estava falando.
Palestrantes com uma luz incomum e humildade própria dos que têm ciência das mazelas humanas.
Aprendi porque os sábios acabam por concluir que a maior conquista do conhecimento é poder enxergar a medida da própria ignorância. Por isso, humildade é conseqüência de sabedoria.
Ali a freqüência era opcional.
Como existia ala feminina no hospital, as mulheres ficavam separadas dos homens no auditório por umas dez fileiras.
Fiquei impressionado, mesmo à distância, com o estado daquelas infelizes.
Parece que o prejuízo que as mulheres sofrem com os vícios ou depressões é bem maior que o nosso.
Algumas de cabeça baixa, espelhando culpas que atormentavam suas almas.
Outras, agitadas, não paravam de falar e emitir conceitos totalmente fora dos assuntos abordados.
Não perdi nenhuma dessas reuniões.
Havia uma biblioteca com livros psicografados, em sua maioria, por Chico Xavier. Também as obras de Allan Kardec estavam à disposição. Podíamos levá-las para o quarto sob a condição de devolver e, só assim, obter outro volume.
Trabalhos de grande valor aos que se interessam por essa filosofia que me rondava desde a mais tenra idade.
Não sou de família espírita, mas, no desenrolar da minha vida, esse fator esteve sempre presente.
Confessava-me indisciplinado a estudar mais profundamente a doutrina.
Entretanto, alguma coisa me dizia que fora jogado pelo destino em local e condição psicológica que proporcionaria exercitar um bom desenvolvimento nas questões interiores do ser.
A oportunidade estava à frente.

Literatura mais apropriada não poderia existir.
Debrucei nos livros.
Tinha alguma dificuldade de concentração intelectual em função dos medicamentos. Entretanto, dias inteiros para me dedicar.
No princípio lia e relia o mesmo parágrafo diversas vezes.
O ritmo de leitura aos poucos se normalizou e comecei a devorar os livros avidamente.
Verdadeiros tratados da evolução moral, inspirando entender um pouco a organização da natureza sob as mãos de Deus.
Os mistérios da criação.
A lei de causa e efeito.
A reencarnação.
A individualidade das pessoas.
A mediunidade e suas variáveis.
Mensagens mediúnicas em pequenos folhetos eram autênticos tranqüilizantes espirituais, cheios de esperança e consolo.
O Evangelho na interpretação espírita, esclarecendo em paradigmas bem claros a palavra de Jesus.
Consolidava o entendimento do homem não como criatura de intelectualidade privilegiada, mas, e, principalmente, como um ser especial provido de energias bem mais complexas e completas.
A Palavra ia aos poucos tomando conta de um imenso vazio.
Pensava freqüentemente nos quarenta e cinco anos em que Ele indicava o caminho à ovelha desgarrada que se alimentava das ervas encontradas no caminho.
Falar sobre Deus é como escrever uma carta aos pais em que de tanto se esmerar nas palavras nunca se consegue um resultado à altura do merecimento.
Participar da natureza deslumbrante que Ele nos permitiu e reconhecer isso, já é um pequeno passo em Sua direção.
Transcrevo abaixo uma reflexão recolhida de um dos pequenos pedaços de papel que eu redigia e juntava:
Agradeço a Deus.
- o nascer dos primeiros raios de sol
- os pássaros saudando um lindo amanhecer
- a saúde dos nossos entes queridos
- a medicina evoluindo com Sua Graça
- a possibilidade de escolher meu próprio caminho
- as árvores com suas folhas, frutos e sementes inspirando o entendimento da eternidade.
- a bondade inerente ao ser humano.
- a possibilidade de socorrer ao próximo.
- os maus se convertendo à caridade por Sua Força Infinita.
- as belas canções acariciando nossas almas.
- as formigas nos ensinando como trabalhar em harmonia.
Mas, em direção às ilusões materiais, embriagados e como loucos, atropelamos nossos semelhantes.
Diante da beleza da vida só não percebe quem não quer ver quão simples é se alistar no maravilhoso mundo e nos belos caminhos doados por Deus.
Essas taças vazias, quando lhes for permitida a revelação, maior encantamento as sublimará em agradecimento a um Deus de sabedoria infinita e eterna. (...)

A foto está no Google Imagens em: 
zzorgg.blogspot.com

Fred, 19/05/2011

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Einstein


 “Aquele que tenta se pôr como juiz no campo da verdade e do conhecimento é afundado pela risada dos deuses” - Einstein (Pág. 54 do Livro “Poder sem Limites Volume I - Anthony Robbins”) ZZFred
Fred, 16/05/2011

O Hospital e Sua Gente





(Fragmento do livro Álcool Ajuda ou Autoajuda - Fred Explica - 1999)
Nota: Os textos postados neste blog não obedecem a nenhuma ordem cronológica.

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Foto em: oniros.com.br
Lugar de aspecto grave e sombrio misturando as angústias dos hospitais psiquiátricos com o espírito faceiro dos antigos internatos ginasiais. 
Que estranho fascínio exercia o ambiente. 
Mais um desafio - Quis enxergar assim. 
Uma situação inusitada... 
Pensei redigir um diário. 
Como não dispunha de caderno, fui anotando os acontecimentos em qualquer pedaço de papel que aparecia pela frente. 
A agressão sofrida por uma funcionária grávida nos deixou revoltados e o responsável isolado em uma espécie de solitária apelidada de zero, talvez como referência à numeração dos andares. 
Um verdadeiro canil. 
Um corredor ladeado pelo corpo da construção, no andar térreo do prédio. 
Área descoberta com um pequeno telhado ao fundo para se proteger da chuva; uma cama e um sanitário. 
Ter aquele destino era o fim. 
Ali o infeliz ficaria cumprindo pena disciplinar. 
A enfermagem o utilizava também como ameaça e pretexto para manter a ordem e acalmar os exaltados. 
A construção era grande e tinha uma aparência pesada. 
No térreo funcionava a administração, a enfermaria e uma dependência que noutras épocas eram desenvolvidas terapias ocupacionais, mas, ficava constantemente fechada. Também nesse nível estava o refeitório, uma enorme sala de estar e um aparelho de televisão. 
Fui transferido pela manhã, com cara de velório, para outra ala de melhor qualidade. 
Dividiria o quarto com mais quatro indivíduos: dois em recuperação alcoólica; um cleptomaníaco e outro letárgico que ficava o tempo todo deitado com um sorriso meio idiota colado no rosto e olhando o teto como se estivesse curtindo o maior barato. 
As fichas foram passadas pelo Ligeirinho, um companheiro de quarto magricela que me apresentaram na chegada. 
Tinha o apelido porque, lia, pensava e caminhava muito rápido. Com ele divaguei sobre tudo o que era possível. Trazia consigo muitas informações; a cachaça o jogara ali - ele não se adaptava às convenções sociais e, em conseqüência, vivia enchendo a cara. 
Acredito que o exercício desordenado da intelectualidade acaba levando a isto. 
O cleptomaníaco logo foi embora. 

Suas atitudes revoltavam os demais pacientes impacientes.
Não agüentávamos mais os pequenos furtos.
Éramos subtraídos com muita freqüência.
Cigarros, bermudas, camisetas, isqueiros.

Objetos de pouco valor, mas de fácil transação na comunidade. 

O nível de tolerância já estava no limite. 
Alberto, do leito ao lado, num de seus arroubos de irritação chegou a enfiar goela abaixo sua escova de dentes no suposto ladrão que a utilizara e, não fosse nossa intervenção contendo violenta ação, o caso teria conseqüências mais sérias. 
Instalada a bonança, a tempestade era esquecida e a paz artificial dos tranqüilizantes transformava a atmosfera. 
O horário das refeições era muito rígido. 
Havia um grito, que não me lembro de quem e nem de onde vinha, avisando do almoço e do jantar. 
Se por algum motivo não comparecêssemos, não tinha perdão, ficaríamos com fome. 
A minha primeira refeição foi patética. 
Observei duas filas com cerca de cem internos. 
Uma bem menor, a do pessoal em regime alimentar e outra, comprida, para os demais. 
Fila indiana, bandejão de inox e talheres espalhados no balcão que iam sendo juntados para o almoço. 
Eu, em crise de abstinência, comecei a tremer e os talheres a trepidar e promover um barulho que chamou a atenção dos demais e logo vieram as brincadeiras: 
- Olha o chimbre...tá batendo biela...esse tá ruim mesmo..., e outras do mesmo gênero. 
A minha insegurança pelo inusitado piorava ainda mais a situação. 
As colheres, o garfo e a faca caiam no chão a todo o momento. 
Robério um dos internos contumazes, ou seja, já conhecia bastante o ambiente, vítima que era de constantes internações, saiu em minha defesa. 
- Vocês todos estiveram nesse mesmo ponto quando entraram pela primeira vez; deixem o moço em paz! – observou de forma enérgica. 
Todos se calaram. 
Depois disso, foi até uma mesa e marcou dois lugares. Tomou a bandeja de minhas mãos e, de forma solidária, foi escolhendo a comida conforme me orientava o paladar. Levou até o local demarcado, voltou à fila, serviu-se e logo estava à minha frente instruindo sobre os macetes do local. 
A tal fila do regime era, também, um engodo para fossemos atendidos fora da confusão e mais rapidamente. 
Você alegava desinteria ou prisão de ventre e teria, ainda, o privilégio de receber laranjas ou bananas conforme o caso. 
O manual de sobrevivência começava a ser transmitido pelo recente amigo. 
Após as refeições era bom desviar os olhos dos bebedouros mais próximos. Alguns internos usavam-nos na escovação dos dentes deixando entupidos os pequenos ralos com sobras de comida. Era de amargar! 
A alimentação seguia uma rotina austera. 
As sete da manhã o café. 
De oito as dez liberavam o pátio para recreação e compras na cantina. Entendi porque não vendiam café, mas, Coca Cola ninguém conseguiu explicar. Insisti, mas, nada... – Deixa pra lá, resolvi. 
Das onze às doze horas, o almoço. 
Até as quatorze, repouso. 
De quatorze às dezesseis, nova libertação para o pátio. 
Às dezesseis e trinta, café da tarde. 
O jantar, última refeição, era servido às dezoito horas. 
Alguns conseguiam assistir TV, não se importando com o barulho ou intervenções inoportunas dos outros colegas. 
As vinte e duas horas desligavam o aparelho, comandavam o recolhimento dos internos aos seus quartos, sempre com veementes protestos, e os pavilhões eram trancados – hora de dormir. 
A disciplina de horário fazia parte da terapia. Reconheci isso mais tarde. 
Eu estava permanentemente revoltado com a administração do hospital. 
Não aceitava o tratamento diferenciado dos internos. 
Não pleiteava privilégios, meu senso de classificação das enfermidades é que não concordava com as regalias a verdadeiros bandidos que por ali se alojavam. 
Não tinha certeza, mas, um interno e sua curriola, traziam na expressão o retrato do mal. 
Imaginação, sempre fértil, ficava fantasiando a possibilidade de se tratar de alguns beneficiados por sentença judicial conseguida pelos advogados do crime organizado (será que andei vendo muitos filmes policiais?). 
Causava profunda irritação o despreparo retratado nas respostas obtidas quando afirmavam através daquele pequeno guichê - um buraco na parede em forma de meia lua: 
- Aqui vocês são todos iguais! 
Queriam identificar ou nivelar personalidades e comportamentos totalmente distintos em um jargão que fazia sentir uma completa frieza no trato das doenças, colocando-nos num ambiente de penitenciária, alimentando culpas ou criando-as o que era mais grave. 
Que se tapasse aquele buraco infestado de administrativas ou, que ali se instalassem pessoas de nível humanitário mais adequado.

(...)
Fred, 16/05/2011