terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Um pontapé dos infernos


(Fragmento do livro Álcool Ajuda ou Autoajuda - Fred Explica - 1999)
Nota: Os textos postados neste blog não obedecem a nenhuma ordem cronológica.
(...)
"Estávamos em mil novecentos e sessenta e seis, o regime militar já mostrava suas garras e a população sentia o prenúncio do que viria pela frente"


anos 60


(...)Gostávamos de cobrir peças de paralelepípedos com caixa vazia de picolé, colocar no meio da calçada e aguardar que algum incauto fosse seduzido a dar um pontapé.
Quando acontecia, era muito engraçado ver a cara do sujeito soltando um palavrão e, depois, disfarçando a dor em face aos frouxos de risos que vinham do outro lado.
Isso durou pouco tempo até que um policial à paisana resolveu, entusiasmado, bater um tiro de meta. 

Ele era Delegado do DOPS.
Quando se identificou, ainda mancando, pensamos que o mundo iria desabar em nossas cabeças.
Enquanto a dor não passava e o cidadão gorducho readquirisse a cor normal escutamos poucas e boas.
Veio esbravejando com uma tonalidade demoníaca e, enquanto desabafava sua ira, o monstro ia retomando a cor rósea original dos agentes da ditadura.
Sabíamos que o melhor a fazer naquelas situações era baixar a cabeça e escutar humildemente.
Acho que o tormento durou quase uma hora.
Estávamos diante de uma platéia enorme de pedestres sádicos e curiosos.
O meu rosto queimava de vergonha e rebeldia em virtude dos argumentos e da arrogância provocativa. Esperando reação, seu repertório incluía ofensas às famílias de todos nós.
Para piorar a situação eis que estaciona uma viatura policial.
Chegaram a abrir o camburão ameaçando: vamos levar pro juizado, doutor! – esses moleques tem de aprender! – uma boa surra na delegacia vai melhorar esse povo!
Nessa hora, um dos populares interferiu. "Conheço os pais dos meninos, são famílias boas! Deixem que eles recebam o castigo em casa. Eu mesmo vou providenciar."
Não sei se foi a defesa que resolveu o problema, mas, juntou-se a um chamado urgente no rádio da viatura que fez nossos algozes entrarem às pressas, ligarem a sirene e sairem cantando pneu.
A pequena multidão se dispersou ficando somente o homem que advogou em nosso favor.
- Querem tomar um refrigerante? - perguntou com um sorriso maroto e revelador.
Aceitamos de pronto, estávamos em quatro.
Entramos no Bar Siroco e pedimos Coca Cola para cada um.
Enquanto nos refazíamos do susto ele degustava uma cerveja observando: vocês passaram por uma boa, não?
Estávamos em mil novecentos e sessenta e seis, o regime militar já mostrava suas garras e a população sentia o prenúncio do que viria pela frente.
O cidadão solidário gostou do "tiro de meta".


a liberdade é a minha pátria.
Eu sou liberdadense
eu sou liberdadeiro
a liberdade é do meu pai, minha mãe.
A liberdade é natural
A natureza é a liberdade em ação
porta da criação
liberdade não se define.
Por um lado é nada
de outro, tudo.
E ela só tem um lado.
Livre arbítrio do livre arbítrio
expressão máxima da vontade

(...)
Fred, 15/02/2011

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