quarta-feira, 11 de maio de 2011

A Internação



(Fragmento do livro Álcool Ajuda ou Autoajuda - Fred Explica - 1999)
Nota: Os textos postados neste blog não obedecem a nenhuma ordem cronológica.
"Vi-me agarrado por quatro homens de branco e, um outro, vindo com uma grande seringa cheia de um líquido amarelo que me foi aplicado em seguida – um apagão imediato."

(...)
Vejo-me agora junto a uma porta gradeada de um prédio acinzentado.
Lá dentro homens fortes trajando roupas brancas e outros mal vestidos ou semi-vestidos andando de um lado para o outro.
Pensei alcoolicamente e, como todo ébrio que não se preza, se tratar de pais de santo de algum centro de Umbanda ou Candomblé aqueles sujeitos de branco e, os outros, como participantes do ritual.
Imaginei que nesses lugares os meus amigos poderiam, quem sabe, encontrar o instrumento de percussão que procuravam, de segunda mão.
Ali, vendo o movimento e não percebendo a realidade, dei asas à imaginação.
Não entendi que se tratava de um hospital psiquiátrico e estavam eles e mais uma comitiva que nos acompanhava sem que eu percebesse, providenciando a internação.
Quando dei pela coisa, a indignação contra os companheiros me levou a pegar um deles pela garganta e erguê-lo com apenas uma das mãos rente à parede (não sei de onde sai esta força em estado de ira. Dizem que é uma descarga de adrenalina).
Após o fato, movido por não sei o que, abracei e agradeci ao amigo, ingressando tranquilamente no recinto.
Picos de memória.
Vi-me agarrado por quatro homens de branco e, um outro, vindo com uma grande seringa cheia de um líquido amarelo que me foi aplicado em seguida – um apagão imediato.
Acordei amarrado ao leito de uma cama da enfermaria chamando aos gritos o enfermeiro e afirmando:
- ô cara me desamarra aqui pô, eu não sou esse bicho não!
Estava consciente de que o funcionário se faria ouvir pela proximidade dos recintos.
- já vai, já vai, você já está mais calmo mesmo?
Outra coisa que não entendo é como eu sabia que seria ouvido e que a sala para onde dirigia meu pedido estava tão próxima – fui colocado ali inconsciente.
Já desamarrado me contive ainda deitado tentando organizar a mente conturbada.
Que espécie de gente sou eu? - Será que merecia aquilo? - Nunca prejudiquei ninguém. - Isso é coisa da minha mulher. - Saio daqui a hora que quiser. - Ninguém me pode privar a liberdade. - Lixo, não passo disso. - Que amigos eu fui arrumar? - Minha história profissional foi pro brejo depois dessa merda. 
Mais e mais idéias foram atormentando meus pensamentos.
Esticado na cama com os olhos fechados pelas mãos, senti um bafo quente próximo ao rosto.
Era um negro alto e forte, seu nariz quase encostava a minha orelha.
Injuriado, parti em direção ao maluco que correu pelo lugar afora fugindo desesperadamente ante a fúria que me despertava a situação.
Ele parou trêmulo e choroso junto à parede.
Ordenei que o mesmo ficasse quieto em sua cama, aos berros.
Depois senti pena, era um pobre demente que se acreditava criança.
Deixaram-me somente as calças jeans e, descalço, vagava à noite pelas dependências tentando entender a situação entre loucos mansos ou furiosos.
Fui informado que meus pertences ficariam guardados evitando, dessa forma, os corriqueiros furtos no local.
O enfermeiro era gentil. Disse-me que esperasse vagar um quarto num local mais confortável e que minha mulher traria roupas e o que fosse necessário à empreitada.
A cabeça mesmo vazia, ainda fervilhava idéias confusas.
Incorporei uma cara de mau em meio àquela turba que perambulava por uma grande sala com as mãos para trás e olhando o chão como se tivessem perdido alguma coisa.
Senti vontade de urinar e fui até o sanitário.
Um cheiro horrível, uma lagoa fétida entre a porta e o mictório lá no fundo.
Caminhei com os calcanhares até o local e voltei andando da mesma forma.
Ao voltar um dos internos disse: a gente mija é da porta mesmo, ninguém pisa naquele chão.
Estava muito fraco; voltei pra cama esperando que a noite passasse depressa.
Evitei adormecer. Não sentia segurança entre tantos desajustados.
Era a ala masculina.
Em cada indivíduo um universo diferente.
À primeira vista e, devido aos tranquilizantes, pareciam zumbis.
Ali estavam alojados os que não possuíam recursos financeiros necessários ao tratamento e misturados com os que vieram ao mundo e criaram uma realidade própria, sendo rotulados pela sociedade com loucos.
Suas manias...
Andar, andar e andar.
Chorar convulsivamente.
Sorrir histericamente.
Gritos, cada qual com sua tonalidade e seu significado.
Pobres criaturas e, pobre de mim, enfiado naquele lugar. Quem poderia garantir que eu não era mais um deles?! Quem sabe os outros não estariam pensando o mesmo?!
(...)
Fred, 11/10/2011

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