sexta-feira, 6 de maio de 2011

Mudança de ares


(Fragmento do livro Álcool Ajuda ou Autoajuda - Fred Explica - 1999)
Nota: Os textos postados neste blog não obedecem a nenhuma ordem cronológica.
(...)

Belo Horizonte no início dos anos 70

Você sente quando a cidade não lhe quer mais.

Ela te manda embora quando se enche de carros, tira os postes de ferro do meio das ruas, seus amigos teimam continuarem solteiros ou, quando se casam e se mudam.

Também, é terrível quando as pessoas passam por você e não te cumprimentam.

Reconhecemos, eu e minha mulher, que o nosso verão tinha acabado na capital.

Como a primavera deixou de existir no meio de tanto cimento e asfalto, decidimos nos mudar para Contagem.

Isso aconteceu de repente. Não vi o tempo passar e outra, há muito estava trabalhando naquela cidade, o maior satélite  da  Grande BH.

Antes eu saía às sete da manhã e só voltava para casa por volta das dez da noite em função das paradinhas nos botecos. Primeiro com meus colegas de serviço próximo à empresa e, depois, no bar do Zico na Rua do Ouro com Rua Caraça a uma quadra do apartamento onde morávamos.

Ficava dez horas por dia no trabalho e a convivência acabou formando uma espécie de segunda família, como acontece habitualmente.

Eu cuidava da área financeira no que se referia a créditos e cobranças me metendo, também, em contratos de financiamentos, elaboração de projetos para o BDMG e outras funções da área.

Desse relacionamento, de quase quatorze anos, algumas amizades ficaram até hoje e, quando nos encontramos, é muito bom recordar casos pitorescos.

Lembrei-me de um enquanto escrevia estas linhas e negociava um automóvel com um corretor - se é que se pode chamar assim esses honrados profissionais da economia informal que vivem da compra e venda de carros usados.

Tal mercado possui características peculiares.

Quando você vai dispor de um veículo deve ter uma história para facilitar a venda, sempre demonstrando muito pesar.

O comprador, segundo consenso do ramo tem de ouvir:

O carro é excelente. Estou vendendo porque:

a. preciso do valor para pagar contas atrasadas
b. estou comprando um lote (apartamento, casa, loja, etc.)
c. estou comprando um carro mais novo (a mais usada)
d. qualquer motivo que induza o provável comprador a fechar o negócio.
Em suma, você tem de explicar as razões de estar dispondo de uma jóia tão rara.
Moacir, um ex-colega de serviço e querido amigo, foi protagonista de uma situação curiosa.
Ele tinha um Fusquinha 67 que ficava estacionado no fundo da garagem, cercado de todo mimo.
Também, de quantas histórias fora testemunha...
Ele acreditava que o carrinho tinha alma. 
Quantas pescarias.
Quantas viagens.
Quantas alegrias estavam armazenadas ali.
Achando que merecia, ainda, melhores cuidados, o Môa resolveu vender a relíquia.
Estipulou um preço de tal forma elevado que me fez duvidar de sua real intenção.
Obviamente não apareceriam compradores e o fato serviria, apenas, para fornecer assunto pras cervejadas depois do expediente.
Resolvemos, então, pregar-lhe uma peça - uma casinha de caboclo.
Pedi ao Paulão, um jovem fazendeiro de minhas relações em BH que ajudasse na história telefonando pro Môa, mostrando interesse e marcando um encontro à noite num boteco próximo da empresa para que pudesse ver o carro.
Era sexta-feira e o senadinho estava completo. 
Cerveja gelada, pinguinha boa, tira-gosto e muita conversa solta.
O Môa estava num canto, calado e com cara de poucos amigos.
Eis que chega o Paulão devidamente montado em sua caminhonete cabine dupla, zero quilômetro.
Após as saudações de praxe pediu para ver o tal fusquinha peso de ouro.
Moacir desmanchou os costumeiros causos para o novo ouvinte.
Paulão coçou a cabeça e sentenciou, conforme combinado:
- Eu fico com o ele. Tô precisando de um carro véio para carregá porco na fazenda.
Foi o bastante.
Moacir avermelhou e retrucou:
- Carro véio é a puta que  pariu! Vai carregá porco no lombo da tua mãe, seu safado! Vê se o meu Fernandinho vai  trabalhar em fazenda!
Daí pra frente é melhor nem contar como terminou a história. 
Nunca mais...

(...)

Fred, 06/05/2011

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