sexta-feira, 27 de maio de 2011

Histórias do Cárcere


(Fragmento do livro Álcool Ajuda ou Autoajuda - Fred Explica - 1999)
Nota: Os textos postados neste blog não obedecem a nenhuma ordem cronológica.
(...)
foto em carol-lejosdelmundanalruido.blogspot.com
Numa oportunidade, Robério e um tal de Tocão,  promoveram um quadro que mais parecia uma dissimulação burlesca.
Tomaram posse de uma maca, daquelas de rodinhas.
Robério deitou-se simulando uma crise de cólica generalizada e Tocão, o terapeuta da galera pelo seu bom humor, ia dirigindo o comboio em velocidade através dos corredores, promovendo a maior algazarra.
Um gritava de dor e o outro pedia socorro afirmando desesperadamente que o amigo estava morrendo.
Era engraçadíssima na sátira a oportunidade de ver enfermeiros em crise de risos incontidos, tentando impedir a confusão.
Os internos do andar inferior, como já disse, eram pessoas muito carentes.
Tinham nos olhos uma expressão vazia ou cheia de tristeza e desespero.
Procurávamos, sempre que possível, tratá-los de maneira paternalista e freqüentemente, eram envolvidos nas brincadeiras.
O pátio era um ambiente bem trabalhado.
Tanto os canteiros de flores como as árvores mostravam o talento do jardineiro encarregado. Seria muito bom para os pássaros, mas raramente os víamos por ali. Acredito que a sensibilidade das aves detecta vibrações pesadas .
Cantina, tênis de mesa, jogos de dama e um telefone público, tipo orelhão, que era o único contato possível com o mundo que ficara lá fora e proporcionava um ambiente no qual assistíamos dramas e comédias.
Um paciente gostava de simular o aparelho como um microfone, deitando cantoria de gosto questionável, mas muito divertida.
A fila de espera ficava impaciente.
Uns se revoltavam aos gritos e outros disparavam risadas barulhentas até que um funcionário intervisse e normalizasse a situação.
Um jovem, com seus dezoito anos, se tanto, vestido conforme a moda, mostrava-se temeroso pela atmosfera totalmente fora dos seus padrões.
Colocava várias fichas e, chorando, lamentava convulsivamente: mãe, me tira daqui!
Essa situação, em princípio, machucava nossa alma.
Tocão, elemento de muita presença de espírito, aguardava o término da ligação, tomava o aparelho e ficava imitando seus prantos.
O drama, logo teve fim, com o adolescente acabando por entender que era melhor aceitar os fatos com humor - o remédio mais adequado - ou, a única alternativa possível.
Em todo o período da internação eu raramente utilizava o telefone, pois acreditava que iria incomodar meus familiares que preparavam o casamento da minha filha do meio.
Aquilo torturava.
Era melhor esperar e não somar preocupações ou ansiedades próprias das ocasiões pré-matrimoniais.
Na realidade eu estava alimentando culpas gigantescas.
Não sabia quando iria ter alta e, o evento, cada dia mais próximo.
De acordo com informações, quando saísse teria tempo e condições para me recuperar e entrar na igreja da forma como a solenidade exige.
(...)
Fred, 27/05/2011 

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