domingo, 6 de março de 2011

Da Juventude Transviada aos Jovens na Ditadura



(Fragmento do livro Álcool Ajuda ou Autoajuda - Fred Explica - 1999)
Nota: Os textos postados neste blog não obedecem a nenhuma ordem cronológica.

(...)
"Ambiente que se prezasse deveria cheirar a Lancaster, o perfume da moda, de custo proibitivo aos menos afortunados..."


anos sessenta...



As roupas, os cabelos, o jeito de ser meio arrogante marcaram uma época de pegas de automóvel, brigas de turmas e loucuras machistas. 

O indivíduo ia se graduando no meio, conforme suas histórias de bravura. 

A cidade se dividia em pequenos guetos. 
Jovens corajosos. As camisas de mangas curtas deveriam tê-las dobradas; braços fortes à vista. 
Ambiente que se prezasse cheirava  Lancaster, o perfume da moda, de custo proibitivo aos menos afortunados. 
Turma da Floresta, do Carlos Prates, da Savassi, da Santa Tereza,

do Santo Antônio, da Barroca, do Barro Preto, a do Centro que era a nossa e assim por diante. Incontáveis grupos que, mesmo nos bairros, ainda se separavam por esquinas. Coabitavam dentro de um bairro e até de uma rua, agrupamentos distintos que conviviam conforme o poder aquisitivo de cada um, níveis mentais,objetivos de vida ou pelo grau de influência obtido na região conseguido por histórias e estórias.

No entanto, um grande conflito, geralmente por pretextos banais, faria unir toda a comunidade próxima contra o ofensor numa luta que só se encerrava com a intervenção da Rádio Patrulha. 

Cabo de aço, soco inglês e canivete automático eram as armas exibidas orgulhosamente pelos guerreiros. 
Todavia, a fanfarronice prevalecia e os fatos eram narrados como epopéia fundada no imaginário de cada um. 
Não me lembro de qualquer ocorrência mais séria. 
Acredito, hoje, que apenas a anarquia interessava. 
Eu e os meninos da rua São Paulo ficávamos admirando as façanhas dos garbosos cavaleiros. 
Vigorava algum receio daqueles malucos, porém, uma sensação de segurança era transmitida nas poucas brincadeiras que nos brindavam de vez em quando. 
- Hoje conversei com fulano, dizíamos, orgulhosamente. 
Eram os modelos da nossa formação machista que mais tarde optaria por outras referências. 
Esse pessoal foi sumindo aos poucos.
Uns se casaram e outros se mudaram enquanto grupos mais jovens assumiam naturalmente o comando de cada região. 
Trazíamos um código de honra em nossa turma adolescente e pós-adolescente. 
Como a geração passada se caracterizou pela ausência de certos de princípios, queríamos ser diferentes. Não que tivéssemos vocação para o puritanismo, longe disso, mas a lealdade era pré-requisito aos integrantes da Turma da Rua São Paulo. 
O aprendizado ensinou como fazer e não fazer determinadas coisas. 
Entretanto, aqueles jovens não sabiam perfeitamente a conseqüência de seus atos. 
Aos domingos, nas matinês do Cine Tupi, desenvolveríamos uma técnica para entrar sem pagar ingresso. 
Ao término das sessões ficávamos conversando, como quem não quer nada, próximo a saída do cinema. 
Era um corredor largo que se entupia de gente indo para fora enquanto nós, de costas, andávamos para o interior do recinto lentamente, passo a passo. 
Funcionou até um dia dar errado. 
Depois de descobertos, a direção providenciou um funcionário para tomar conta. 
Pelo menos a traquinagem teve algo de bom - criou emprego para alguém.

(...)
Fred, 06/03/2011

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