quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Diamante bruto

Foto em:  viagem.uol.com.br
Numa sexta feira de inverno a tarde caía vermelha e refletia-se nos vidros de uma  elegante agência de automóveis. A presença do velhinho de roupa surrada e longas barbas descuidadas, incomodava os vendedores nos seus impecáveis ternos azul-marinho. Passeava diante das caminhonetes importadas que luziam seus reflexos tentadores pra todo lado.  O que fazer, perguntou um dos profissionais ao outro.   Vá até lá e trate-o como um potencial comprador, sugeriu-lhe o colega de forma irônica.  Assim, com um sorriso horizontal e debochado, chegou até aquele senhor pensando se tratar de alguma pessoa afetada por alzheimer  e suas complicações que a idade costuma machucar os indivíduos.  Apresentou-se recebendo de volta um aperto de mão e escutando: Rocha Nobre, ao seu dispor.  Conteve-se diante do tratamento pré-moderno e começou a cantilena.  Pelo visto, Sr. Rocha, nossos veículos despertaram seu interesse.  Passou valores em dólares, ofereceu todos os tipos de financiamentos disponíveis como CDC e Leasing. Falou sobre a agência usando termos sofisticados como: temos  Breakthrough na área da comercialização de veículos; podemos fazer os melhores Budgets para pessoas que não podem ou não querem pagar em Cash.  Inspirado pela happy hour que se aproximava o vendedor que esmerava-se nos termos da lingua inglesa, foi interrompido pelo idoso maltrapilho.  Garoto, quanto você ganha por mês?! Esse terno é seu ou é emprestado pela loja?! Quanto tempo levou para aprender esses termos estrangeiros?!  Não precisa responder.  Eu já sei! 
Diante da surpresa, o profissional engoliu seco.  
Piorou quando o ancião puxou vários blocos de notas de cem dos largos bolsos de sua velha calça bege lançando-os sobre o capô de uma caminhonete preta que estava ao lado.  
Olhe bem para esse dinheiro, disse o velho em tom de sermão.  É o suficiente para comprar o carro que eu quiser nesse boteco metido a besta. Se não for, tenho mais aqui pertinho.  Fiquei um tempão andando de um lado pro outro e ninguém veio perguntar o que eu queria. E olhe que a loja estava vazia. Percebo quando as pessoas caçoam de mim. Não preciso usar roupa de marca e nem dos não-me-toques da cidade grande.  Consegui  liberdade a custa de muito suor e trabalho em terra bruta.  Estou colhendo o que plantei debaixo de muito sol e chuva.  Sou do mato e para o mato estou voltando.  Minhas mãos calejadas não dariam certo nessas caminhonetes de vitrine.  Fiquem com os seus fricotes que eu vou embora com o meu dinheiro.  Passar bem! 
Situação patética a cena de ver o velho saindo pela porta automática da agência, recebendo os últimos raios de sol que ainda espairava matizes rosados no ambiente e, do pobre vendedor sentado, triste e confuso, numa cadeira de couro. Estava mergulhado em profundas inquietações.  Atormentava-se-lhe a dor da perda de gorda comissão em época de vendas difíceis. 
Pior foi o caro aprendizado daquela tarde. 
Enfim, entendera que  para se cozinhar bem o importante não é saber medidas e, sim, ter um bom paladar.
Fred, 29/09/2011
Nota: história verídica retirada das minhas andanças.


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