quinta-feira, 7 de abril de 2011

Do Primeiro Automóvel ao Contato com o Socialismo



(Fragmento do livro Álcool Ajuda ou Autoajuda - Fred Explica - 1999)
Nota: Os textos postados neste blog não obedecem a nenhuma ordem cronológica.


"Passei a entender o socialismo sem os estigmas pregados pelo regime"

Na ditadura...
(...) 

O governo  Castelo Branco teve apoio popular. 
A alegria dos mais velhos confirmava isso. 
Acabou a sem-vergonhice – Eu quero ver a cara desses comunistas agora – comentavam os mais experientes. 
Um dos primeiros atos - senão o primeiro - do novo governo foi a nomeação de todos os brasileiros aprovados em concursos públicos federais. 
Meu pai que o fora para Fiscal do antigo IAPB (Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Bancários) tomou posse. 
Assumiu o cargo em sessenta e cinco e comprou seu primeiro automóvel no ano seguinte - um fusquinha de cor quase branca. 
Houve um salto na qualidade de vida em casa. 
Mudamos do Centro para o Bairro da Serra, uns quatro anos depois da compra do carro.
Antes, ele trabalhava muito e ganhava pouco. Era professor na Associação dos Empregados do Comércio – (AEC), dando aulas pela manhã e à noite. À tarde dedicava-se como funcionário público ao Fomento Agrícola de Minas Gerais, antiga autarquia responsável pelo incremento de atividades rurais. 
Na minha infância somente desfrutava sua companhia nos finais de semanas ou nos feriados. 
Agora, com o novo padrão, dispunha de mais tempo para a família. 
Considerava-me privilegiado pela sorte pois no ano seguinte consegui habilitação como motorista ou seja, aos dezoito anos de idade estava inserido num pequeno grupo. 
Ter carro naquele tempo não era tão comum como hoje em dia. 
Junto com esse fato vieram problemas com a turma. 
Passei a freqüentar o Stage D’Or um barzinho intelectualizado que funcionava anexo ao Teatro Marília. Por ali se reuniam alguns boêmios de Beagá. Um pessoal que apreciava artes cênicas e músicas bem elaboradas. Compunha o ambiente um piano que vez por outra era executado por algum freqüentador inspirado em algumas doses. Para isso tinha que ser bom de serviço e, habitualmente, a apresentação era solicitada pelas cabeças pensantes. 
Considerava o lugar como um mundo novo a ser aprendido. 
Eu falava pouco e escutava muito.
Presenciei discussões acaloradas sobre o comunismo.  Karl Marx e suas teorias eram debatidas com muita paixão e, em que pesem as doses alcoólicas, conversava-se num tom conveniente baixo sobre os temas.  A força das idéias era fraca ante o medo da  repressão do sistema instalado.
Artistas consagrados  passavam pelo Stage D’Or quando se apresentavam em BH. Ali encontravam sossego.  Fosse quem fosse, não teria abordagens inconvenientes.
Passei a entender o socialismo sem os estigmas pregados pelo regime. 
Para se ter uma pequena idéia dos fantasmas que rondavam, a prisão do Maguinho refletiu o ambiente de intimidação e prepotência.
Somente porque tinha barbas longas, estilo Fidel Castro, ele foi detido para averiguações quando observava da calçada uma manifestação estudantil na Avenida Afonso Pena. 
Acontece que o nosso amigo era avesso a política. 
Não sabia e nem queria saber a situação do país. 
Seu negócio era andar do jeito que as garotas gostavam, aumentando a cada dia a lista de suas conquistas amorosas.
Passou a noite no DOPS, sujeitando-se aos interrogatórios de praxe.
Nunca conseguimos dele os detalhes que a nossa curiosidade pedia.
Era falar sobre o caso que o Maguinho, ressabiado, fugia da conversa.
Da sua barba restou, somente, um bigode bem trabalhado. 
Antigos companheiros ficaram magoados pelo fato de terem perdido a minha presença até que resolvi esclarecer com a franqueza que sempre achei necessária: eu não mudei de amizades, apenas estou me aventurando num meio que fornece outros tipos de informações e perspectivas – quem quiser que venha junto – vivemos numa sociedade movida por interesses – eu busco evoluir. 
Muitos entenderam e poucos assumiram a condenação, mas, o que fazer?
(...)
Fred, 07/04/2011

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