sábado, 28 de maio de 2011

Causos da Juventude II


(Fragmento do livro Álcool Ajuda ou Autoajuda - Fred Explica - 1999)
Nota: Os textos postados neste blog não obedecem a nenhuma ordem cronológica.

(...)
Emerson Fittipaldi e o carro de 1970

Foto em: blogs.estadao.com.br
- A Banda do Canecão vai tocar na Sede Campestre do Cruzeiro no sábado que vem - disse o Geraldinho com um jeito meio triste.
- Que animação é essa rapaz? – perguntei tentando mudar o clima.
- Fiquei sabendo que a cidade inteira vai comparecer e os preços dos ingressos estão pela hora da morte. – respondeu ainda amuado.
– E desde quando isso é problema para nós? – eu garanto que todos vão entrar, continuei.
- Acontece que a polícia militar vai deslocar um contingente enorme para cuidar da portaria, retrucou.
Sem nenhum plano elaborado, garanti que ninguém iria ficar de fora e encarei como desafio.
No dia estavam reunidos uns quinze na frente da lanchonete do Gordo argumentando para que eu desistisse da idéia.
- Não temos um tostão furado e achamos melhor cancelar o programa. – voltaram a insistir.
– Nada disso, vamos pra lá que eu garanto. – afirmei convicto.
- Ta bom; nós vamos. Mas se você não conseguir, vai estragar o sábado de todos nós - disse o Dom com a liderança que lhe era peculiar.
Nesse clima, três carros lotados rumaram em direção à Pampulha sem muita esperança no sucesso na empreitada.
O trânsito da Avenida Antonio Carlos, principal via de acesso, estava pior do que em dia de Atlético e Cruzeiro, fazendo notar o número incomum de pessoas indo na mesma direção.
- Parece que a cidade inteira teve a mesma idéia! – comentou um dos amigos.
Tivemos de estacionar os carros a uns quinhentos metros do local, fazendo prever que o compromisso que eu havia assumido teria um grau de dificuldade bem maior que o esperado.
No caminho fiquei ouvindo os queixumes: você é mais teimoso que um burro empacado! – eu não falei que isso ia dar problema?! – É; nosso sábado foi pro brejo!
Tentando manter o astral alto eu afirmava enquanto caminhávamos rápido e ofegantes: calma gente; tudo vai dar certo!
Confesso que não possuía qualquer plano estabelecido. Confiava, apenas, no poder do pensamento positivo e; haja pensamento positivo!
Finalmente chegamos à porta do clube.
Na entrada, os soldados da PM formavam uma espécie de corredor da morte e, só entrava na fila quem estivesse com o ingresso na mão.
Os guichês estavam entupidos de gente para aquisição dos tíquetes.
Começou a impaciência da turma: Vamos embora, não tem jeito!
Nesse momento pedi que todos se afastassem do tumulto; a idéia estava nascendo na cabeça.
Depois de um bate-boca terrível, resolveram aguardar a uns cinqüenta metros da entrada.
Pouco tempo se passou para que estourasse a notícia de que os ingressos estavam esgotados. Um grande tumulto se instalou no local.
- Está começando a acontecer o que eu queria - afirmei com firmeza em função da idéia que me havia ocorrido.
Por ali estavam uns elementos de braços cruzados que se diferenciavam das pessoas pelos seus ternos azul-marinho.
Estavam um pouco afastados da confusão e, obviamente, faziam parte da organização do evento.
Observei, pela psicologia das ruas, que um deles tinha o perfil adequado aos meus propósitos, um tanto escusos.
Aproximei-me com pose de gente importante e pedi que nos afastássemos para uma conversa em particular.
- Amigo - comecei amavelmente – estou numa enrascada. Convidei meus companheiros e suas namoradas para a festa. Elas já estão aí dentro e, quando fui comprar os ingressos, eles já estavam esgotados. É uma situação muito embaraçosa. Estou te observando por algum tempo e notei que você é uma pessoa de boa índole mas, se puder resolver o problema faço questão de recompensá-lo.
Nas entrelinhas deixei que o personagem me acreditasse alguém abonado e, como o ingresso deveria custar uns duzentos reais  (em valores de hoje), induzi que ele fizesse uma conta, pelo menos equivalente, da gratificação a ser recebida.
Até hoje não sei quem enganava mais, nós ou as roupas que usávamos sugerindo aos menos avisados que fazíamos parte da elite financeiramente privilegiada.
A isca estava jogada, era só aguardar.
- Está vendo aquele portão fechado lá na frente?
Forcei a visão e consegui enxergar num local pouco iluminado que seria, naturalmente, destinado a saída do público depois do evento.
- Sim, estou vendo, respondi.
- Pois bem, continuou. Fiquem por lá, no escuro, que daqui a pouco o abriremos pra vocês; - mas deixa acabar a confusão, advertiu.
A boa notícia soou como um gol da seleção brasileira para meus amigos.
Passada meia hora o público que ficara de fora se dispersava para, naturalmente, procurar outro programa que a cidade pudesse oferecer.
Estávamos no local combinado quando o portão foi aberto com os convenientes cuidados para que os nossos cúmplices pudessem cumprir sua parte no acordo.
Fizeram o sinal tradicional pedindo que acelerássemos a entrada.
Fiquei junto dos funcionários dando tapinhas nas costas dos companheiros que entravam rapidamente.
Quando o último acabou de passar pelo portão, caminhamos eu e mais três dos elementos de terno até um canto mais discreto para o acerto de contas.
Era preciso resolver muito rápido – o local era suspeito por ser afastado das mesas que rodeavam a piscina e dos quiosques montados para a festa.
- E aí? – perguntou o contratante sugerindo o pagamento a ser feito.
Abri minha carteira de forma que pudessem ver o seu interior com, cerca de cinqüenta reais (também em valores de hoje).
Logo veio a indignação.
- Espera aí meu chapa, só isso?
- É tudo o que tenho, afirmei já passando às suas mãos o dinheiro. Nós não combinamos valores. Somente relatei para você o fato.
- E a boa índole de vocês, onde é que fica?! – completei.
Lembro-me até hoje da cara de tacho que fizeram ao perceber o engôdo enquanto eu adentrava as instalações do clube como se nada tivesse acontecido.
Eles não podiam agir energicamente contra nós porque fizeram parte da irregularidade, mas, a noite que se seguiu não foi nada agradável.
A banda contratada não era a original, som de terceira categoria e para cada um de nós havia um soldado da PM acompanhando de perto.
Estávamos impedidos de desenvolver nossas especialidades pela vigília atenta de que éramos vítimas.
Qualquer conduta julgada irregular seria imediatamente punida.
Logo fui chamado pela turma para uma reunião em local um pouco afastado.

- Que programa de índio, em Fred? – perguntaram censurando.
- O meu compromisso eu cumpri e ainda estou achando caro o que paguei. Agora vejam: a festa está abaixo da crítica e já observaram que quem comprou ingressos está reclamando? Acho que vocês ainda têm de me reembolsar dinheiro.
- Cara de pau! – afirmaram. Você nos meteu nessa e ainda quer faturar em cima da gente?!
- Não prometi serviço completo – isso vocês vão encontrar em outro lugar, respondi imediatamente.
Resolvemos sair do clube, seguidos, obviamente, pelos seguranças e contendo a gargalhada que somente viria a tona bem longe dali.
O que importava era a aventura, desmoralizar o sistema e eu, ainda, poder tirar onda  de executar uma missão quase impossível, durante um bom tempo.
(...)

Fred, 28/05/2011

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